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Carlos Chagas hoje

Crônica

Este texto foi copiado da www.gazetademinas.com.br, em 1999.

    Márcio Almeida (Especial para a GM) — Comemoram-se, em nível nacional, a partir de maio, 90 anos da descoberta da doença de Chagas e o centenário da Fundação Oswaldo Cruz, numa promoção da Fiocruz, Centro de Pesquisa René Rachou e Associação Brasileira de Saúde Coletiva — Abrasco.

    Além das justas homenagens, o evento em si tem implicações sociais, políticas, econômicas, científicas e culturais que necessitam ser resgatadas. Há cerca de 18 milhões de pessoas infectadas pelo Trypanosoma cruzi na América Latina, de cujo contingente 6 milhões de portadores da doença só no Brasil. O que é pior: descoberta em Lassance, MG, em 1909, a doença de Chagas até hoje é incurável. Não existe, apesar de toda sorte de pesquisas competentes feitas no país e no exterior, um antídoto capaz de debelar de modo definitivo esse flagelo. Há, sim, um esforço continental para alcançar o controle da doença até a próxima década.

    Muito mais que história, a doença de Chagas é um fato científico vigente para o qual é imprescindível chamar a atenção à sua pertinência social contemporânea: a doença inviabiliza o trabalho de parte da população e as pesquisas mais recentes detectaram que o seqüenciamento do código genético do Trypanosoma cruzi determina as dificuldades para o desenvolvimento de uma vacina contra a tripanosomíase americana, denominação com que o cientista oliveirense chamava a doença por ele descoberta.

    Alguns aspectos dessa pertinência sócio-científica não poderão ficar à margem do conhecimento, justo na terra do cientista. E, para tanto, como cidadão oliveirense, como ex-Coordenador-Geral do Memorial Carlos Chagas, mediante comunicação da efeméride a mim feita pelo cientista Carlos Chagas Filho, tomei a iniciativa de apresentar à Selctur e à Casa de Cultura Carlos Chagas um projeto de caráter interativo, no qual propõe-se a realização de atividades locais conscientizadoras tanto do legado de Carlos Chagas quanto da importância atual da doença por ele descoberta.

    O projeto foi, conforme recomendação do próprio Dr. Carlos Chagas Filho, enviado a Dr. Paulo Gadelha, da Fiocruz e coordenador nacional do evento. Aprovado por este, pela Selctur e pela Casa da Cultura Carlos Chagas, buscou-se formalizar, junto aos órgãos municipais citados, uma comissão para assumir a responsabilidade de incluir a terra de Carlos Chagas no roteiro das comemorações, que serão realizadas também em Belo Horizonte, Bambuí e Lassance.

    A comissão vem sendo composta. O que se espera do evento em Oliveira? Inicialmente, um trabalho concomitante e coeso com a Fiocruz, sobretudo em nível da exposição, na Casa de Cultura, das seções e módulos previstos: ciência e saúde — da capital ao sertão; modernização, saneamento urbano e ciência pausteuriana; Minas Gerais: o cenário da descoberta; a ciência descobre o Jeca Tatu; o tema de uma vida; inseto, microorganismo e o homem; a ciência da doença de Chagas; as tarefas da ciência; além da disponibilização, pela Internet, de amplo conjunto de informações e documentos sobre a vida e a obra do cientista.

    Com a mesma relevância, e é este o projeto de minha autoria — resgatar, através do legislativo municipal e do deputado federal Eliseu Resende, junto ao governo Itamar Franco e em caráter definitivo, o Memorial Carlos Chagas, criado pelo decreto-lei n.º 8.479, de 1.º de dezembro de 1983, sancionado pelo ex-governador Tancredo Neves, mediante proposta do cardiologista e então deputado estadual Sílvio Mitre. Instituir concurso estudantil para o 2.º grau sobre o tema “A Importância Social, Política, Sanitária, Científica e Cultural da Doença de Chagas no Brasil e a Pesquisa Realizada no Mundo para Minimizar o Flagelo”. Propor à Secretaria Municipal de Educação um trabalho conjunto com entidades como IEF, Ibama, Sindicato dos Agricultores, SAAE, Rotary Clube, Lions Clube, maçonaria, igrejas, agentes culturais, imprensa, outros, e os segmentos docentes e discentes de 1.º e 2.º graus, objetivando a conscientização plena da importância do cientista Carlos Chagas e de sua descoberta. Inclui-se, nessa atividade, um trabalho performático-científico com os grupos de teatro Olha o Bicho, Protozoários Contadores de Casos e Abertura, em todas as escolas urbanas e rurais. Promover, através da Selctur/Casa da Cultura, um ciclo de conferências sobre a doença de Chagas e seu descobridor, com cientistas como Dr. João Carlos Pinto Dias e Dr. Paulo Gadelha, da Fiocruz. Promover, na Casa de Cultura, exposição de objetos do cientista Carlos Chagas, inclusive reprodução da cafua, do barbeiro e da Fazenda do Bom Retiro em esculturas do artesão Leonardo Leão.

O Carlos Chagas que ninguém conhece

    O cientista oliveirense não foi autor somente da descoberta da doença de Chagas, mérito sem dúvida que o tornou uma referência científica mundial. Em apenas 56 anos de vida (1878—1934), contra as adversidades da pobreza, da inveja e maledicência de próceres da classe médico-científica de sua época, de uma vida atribulada em condições muito precárias à pesquisa de campo realizada na Amazônia, na baixada santista, em Lassance e no Rio de Janeiro; da ingerência de políticos no seu trabalho e da campanha depreciativa de sua genialidade humilde impetrada por parte da imprensa “marrom”, sobretudo da década de 20, entre outras vicissitudes, Carlos Chagas realizou muito e seu legado impôs-se em todo o mundo e vige pela importância dos seus atos pessoais e sua lealdade pragmática ao juramento de Hipócrates.

    Chagas foi o precursor da medicina social no Brasil. Foi um competente homem de laboratório, um clínico com rara perspicácia no discernimento de diagnósticos, enfim, como ressalta com justiça seu filho, “um inovador na pesquisa protozoológica, na pesquisa biológica, no campo da saúde pública e no da administração hospitalar”.

    Com a utilização da queima de piretro, produto sulfúreo que elimina o mosquito alado, Chagas deu início à desinfecção domiciliária, originando o DDT que tornou possível a eliminação da malária em muitas regiões do mundo, descoberta reconhecida em 1923, em Roma.

    Ao descobrir o Trypanosoma cruzi, Chagas detectou também um outro protozoário denominado Pneumocystis carinii, alojado nos pulmões dos pequenos macacos. Estava aí a proto-descoberta da causa da Aids (isso em 1909!), pois o pneumocystis carinii produz uma pneumonia de células plasmáticas intersticiais, analisa Chagas Filho, tornando-se parasito significativo no organismo ao promover a síndrome de imunodeficiência adquirida produzida pelo vírus HIV.

    Carlos Chagas, como diretor do Instituto Oswaldo Cruz (1917—34) concluiu o hospital daquela entidade destinada à internação de casos de doenças infecto-contagiosas e para lá levou os maiores nomes médico-científicos do país. Chagas foi o primeiro brasileiro a ser distinguido com o título Honoris Causa, concedido pela Harvard University, em 1921. Em 1925, anfitrionou em Manguinhos a visita de Albert Einstein. Recebeu distinções em reconhecimento ao seu trabalho científico-social também da rainha Elisabeth, da Inglaterra, e do rei Alberto da Bélgica. O cientista foi responsável pelo debelamento da gripe espanhola que matou centenas de milhares de brasileiros, chegada ao país em 1918 a bordo do navio britânico S. S. Demerara.

    De grande mérito sanitário foi também a Reforma Carlos Chagas empreendida quando na direção do Departamento Nacional de Saúde Pública, ocasião em que Miguel Pereira cunhou a expressão — “o Brasil é um grande hospital” —, tamanha a proliferação de doenças da miséria no país.

    E foi Chagas que, com apoio irrestrito da Fundação Rockfeller, criou a Escola de Enfermagem Anna Nery, em 1925; mas antes, desde 1916, o cientista havia inaugurado, com o governo brasileiro, os primeiros postos de profilaxia rural em diversas regiões do país.

    Epitácio Pessoa, em 1923, contra o movimento anti-chaguista caracterizado por “ciumada positivista”, do qual participaram Figueiredo Vasconcellos, Parreiras Horta, Afrânio Peixoto, Astregésylo de Athaíde e na Argentina Rudolf Kraus, escreveu: “A mediocridade não perdoa ao talento como a treva não perdoa à luz”.

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