caminhao.gif (21241 bytes)

Quando um caminhão de mudança estaciona na frente da nossa casa

Por Andréia Schmidt
(do site
www.aprendebrasil.com.br/falecom/psicologa_bd.asp?codtexto=88)

     Quando ainda estava na 6ª série, convivi por pouco tempo com uma garota que fazia parte de um circo. A sua chegada causou o maior furor em mim e em meus colegas, pela curiosidade que aquela vida tão diferente e tão movimentada despertava em todos nós. Ela nos contou sobre os lugares que conheceu, as escolas em que estudou, a casa-caminhão que a acompanhava em todos os lugares. Enfim, nos falou daquele mundo tão diferente e eternamente mutante em que vivia. É claro que, naquela época, tudo nos pareceu encantador.

     A decepção veio quando, um dia, ela teve de partir. Decepção porque, apesar de parecer tão interessante, aquela vida não permitia que nossa amiga partilhasse por muito tempo da companhia de suas novas amizades e vivesse o encanto dos novos lugares que conhecia. Entre o encanto e a decepção da história, fica a dúvida: afinal, mudar de casa, de cidade, de colégio, é bom ou ruim? Às vezes, passamos anos convivendo com a mesma turma de amigos ou vizinhos, criando vínculos afetivos e uma cumplicidade enorme até que, sem mais nem menos, vem a notícia: a família vai mudar de bairro ou de cidade e vai ser preciso ir para outra escola. Muitas vezes, bate um desespero: como vai ser dali para a frente? Como serão as novas pessoas, os novos professores, a nova casa, como será, enfim, a nova vida?

     Muitas garotas e garotos entram em pânico e começam uma verdadeira batalha com os pais: ficam revoltados, recusam-se a falar da mudança, fazem chantagem e ameaçam fugir de casa. Muitos acreditam que os pais estão propondo aquilo apenas para fazê-los infelizes. Outros caem em um poço de tristeza e começam a sofrer a separação com meses de antecedência. Para os pais, esse tipo de mudança é aparentemente mais fácil porque, na maioria das vezes, está relacionado a oportunidades profissionais ou a necessidades de ordem pessoal. Para os filhos, porém, deixar para trás amigos, vizinhos e até mesmo a casa em que cresceram é muito mais doloroso, especialmente quando não são mais crianças e já têm uma vida construída. Nesses casos, a mudança pode ser assustadora.

     Mas, será que tem de ser assim mesmo? Será que ir morar em um lugar diferente, estudar em outro colégio e conviver com outras pessoas é tão catastrófico? Todos nós, mesmo sem percebermos, estamos mudando o tempo todo. Não é comum olharmos para o passado e nos perguntarmos como podíamos gostar de algumas coisas, vestir certas roupas e andar com determinadas pessoas? Na maior parte das vezes, nem sentimos que ficamos diferentes. Crescemos, amadurecemos e temos novos desejos, novos interesses e novas companhias. A diferença entre essa mudança e aquela de casa ou de colégio é que essa última é mais repentina e costuma nos pegar de surpresa. Mas, apesar disso, ela é muito parecida com aquelas mudanças graduais pelas quais todos nós passamos porque também representa uma nova etapa de nossa vida.

     É claro que isso depende muito da atitude que adotamos: se nós nos permitirmos viver as possibilidades que as novas pessoas e os novos lugares podem nos proporcionar, elas podem ser muito positivas e revelar agradáveis surpresas; tudo será mais difícil, porém, se nos fecharmos em nossa insatisfação e ficarmos nos apegando ao passado, sem darmos chance para o presente. Aquela garota do circo pode nos ensinar algo muito interessante. Apesar de deixar para trás muitos amigos, ela sempre encarava as novas cidades e as novas escolas como oportunidades. É claro que sentia saudades das pessoas e falta de uma vida mais estável, mas aquele jeito de viver ensinou-a que, quando partia, levava com ela um pouco de cada lugar: as paisagens, as ruas, as pessoas... E, ao invés de sair perdendo com a mudança, saía ganhando. Talvez essa seja a melhor parte: deixamos para trás muitas coisas, mas também levamos conosco uma porção delas, e isso que levamos vai ser importante para a nova vida que vai começar, pois faz parte da nossa história, faz parte de nós aonde quer que formos. E as boas histórias são assim mesmo, cheias de mudanças de enredo, que servem para enriquecer a vida dos personagens. Então, será que mudar é tão ruim assim?